A integração lavoura-pecuária-floresta é uma alternativa para a produção mais sustentável.
A primeira
palavra que veio à cabeça do produtor goiano Idalto Pereira quando chegou a São
Félix do Xingu, no sul do Pará, foi “fogo”. Com o exemplo da maioria dos
produtores sem recursos ou maquinário para “limpar a área de produção”, Pereira
usou o fogo no processo. E disso se arrepende até hoje.
“Começamos a
trabalhar errado por falta de informação. A gente chegou, queria derrubar a mata
e criar gado”, disse o produtor. “Quando eu parei de usar o fogo já foi um
pouco tarde, porque quanto mais queimava, mais prejudicava o solo”, afirma.
Pereira ainda completa que: “o fogo é traiçoeiro. Mesmo que faça aceiro, ele
entra na mata e acaba estragando o que a gente estava cuidando, velando e
protegendo, como as beiras de córregos e os lugares onde a gente produz outras
culturas”.
Hoje,
Pereira é outro tipo de produtor. Usa a integração lavoura-pecuária-floresta
(ILPF) e não se arrepende. Entre várias culturas, ele cria gado, planta milho,
banana e principalmente cacau, e ainda mantém a floresta intacta. “Antes, minha
renda entrava uma vez por mês, mas a ILPF mudou esse cenário”, afirma Pereira
que, por meio da comercialização de seus produtos, consegue um faturamento
contínuo.
A integração
lavoura-pecuária-floresta (ILPF) é uma estratégia de produção que integra
diferentes sistemas produtivos, como agrícolas, pecuários e florestais dentro
de uma mesma área. Pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou em
rotação, de forma que haja benefício mútuo para todas as atividades. A forma de
sistema integrado busca otimizar o uso da terra, elevando os patamares de
produtividade, diversificando a produção e gerando produtos de qualidade. Com
isso, reduz a pressão para a abertura de novas áreas.
Versátil, a ILPF pode ser utilizada em quatro
possíveis modalidades:
. Integração
Lavoura-Pecuária ou Agropastoril: integra a atividade agrícola e a pecuária em
rotação, consórcio ou sucessão, na mesma área e em um mesmo ano agrícola ou por
múltiplos anos;
. Integração
Pecuária-Floresta ou Silvipastoril: sistema de produção que integra o
componente pecuário e florestal, em consórcio;
. Integração
Lavoura-Floresta ou Silviagrícola: Sistema de produção que integra o componente
florestal e agrícola, pela consorciação de espécies arbóreas com cultivos
agrícolas (anuais ou perenes);
. Integração
Lavoura-Pecuária-Floresta ou Agrossilvipastoril: integra os componentes
agrícola, pecuário e florestal em rotação, consórcio ou sucessão, na mesma
área. O componente "lavoura" restringe-se ou não à fase inicial
de implantação do componente florestal;
Moacyr Dias
Filho, pesquisador da Embrapa, aponta o ILPF como o futuro da produção
agropecuária brasileira. “Preservação ambiental e aumento de produtividade
caminham juntos e conseguimos aumentar a produção por meio de uma
intensificação racional com preceitos agronômicos, econômicos, ambientais,
sociais e de bem-estar animal”, afirma. “Por isso, o sistema de integração
lavoura-pecuária-floresta e o próprio sistema silvipastoril, que tenta associar
árvores à pecuária, são ideais”, conclui o pesquisador.
Mais lucro
Uma pesquisa
realizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em nove
sistemas de produção em propriedades que eram ou não adeptas ao ILPF comprova
que apostar na integração aumenta o lucro do produtor. Segundo o estudo, os
retornos econômicos para a fazenda que possui o ILPF são semelhantes e, em
muitos aspectos, superiores aos da agricultura tradicional da outra
propriedade.
Uma fazenda
que implementou o ILPF por dez anos teve sua lucratividade por hectare de R$
1.026,50. Antes, na cultura tradicional, o mesmo produtor possuía um
lucro de R$ 235,86 por hectare. O crescimento foi de 366%.
Além do lucro,
a implantação do ILPF trouxe outros benefícios econômicos para a propriedade,
como a manutenção das pastagens com menor custo de fertilizantes, maior
eficiência na utilização de água, luz, nutrientes e capital, melhora do
bem-estar animal em decorrência do maior conforto térmico, além da menor
pressão de pragas e doenças.
“Um ponto
importante é o aumento do conforto animal, do gado, por exemplo. A sombra é
benéfica para ele. Além disso, temos o aumento de sequestro de carbono”,
defende o pesquisador Moacyr Dias Filho.
“Outro ponto
interessante é a diversificação da renda, da propriedade rural, através da
comercialização da madeira, no caso de espécies florestais e de frutos”,
conclui o pesquisador.
Para quem
investe na criação de gado, o ILPF também é altamente rentável. Alberto
Bernardi, pesquisador da Embrapa, fez parte de um grupo de estudos que analisou
resultados da criação de gado no sistema ILPF. “A pastagem típica do Brasil
hoje, de baixa produção, suporta um animal por hectare, em média. A partir do
momento em que nós conseguimos entrar em um sistema desses, trocar a forrageira
por uma mais produtiva, de melhor qualidade, nós estamos trabalhando com uma
média anual de três animais por hectare, o que triplica a ocupação da área”,
afirma Bernardi. “Os animais que entram aqui atingem o peso de abate em dois
anos. A média nacional é perto de quatro anos. Ou seja, nós temos animais mais
jovens atingindo o peso de abate”, explica.
Além disso,
a criação no sistema ILPF forma animais bem mais saudáveis devido ao conforto
da sombra. No calor amazônico, o gado pode descansar sob a sombra das árvores
tendo, ainda, muitas vezes a presença de fontes naturais de água doce,
preservadas junto com a floresta. O conforto térmico é tão grande que a
temperatura dos bovinos chega a variar 5 °C, um fator que, para os cientistas,
pode se transformar em vantagem competitiva. “Em determinado momento, algum
mercado poderá exigir que nossos produtos tenham essa certificação de bem-estar
animal”, pontua Bernardi.
Projeto Cacau Floresta
Desde 2013,
a The Nature Conservancy (TNC) desenvolve, em São Félix do Xingu, o Projeto
Cacau Floresta, que incentiva pequenos produtores rurais e pecuaristas a
recuperarem áreas desmatadas ou improdutivas com o plantio de cacau e outras
espécies florestais, fomentando assim uma agricultura familiar de baixo
carbono. Tudo com o apoio de empresas privadas e associações locais.
Hoje, o
estado do Pará é o maior produtor de cacau do Brasil e o país é o sexto maior
produtor de cacau do mundo, mas ainda não consegue atender sua demanda interna.
Para Rodrigo Freire, vice-coordenador de restauração da TNC Brasil, uma
importante vitória do projeto já foi conquistada. “Conseguimos vencer o desafio
de mostrar que é possível recuperar áreas degradadas, expandindo a oferta de
cacau para o Brasil e para o mundo, produzindo por meio de sistemas
agroflorestais”, diz Freire.
O produtor
Idalto Pereira é um dos participantes do projeto. “Agora, em vez de derrubar
árvore, a gente começa a recuperar a floresta. O que nós colhemos de cacau esse
ano é mais significativo do que nós produzíamos na pecuária antes, fazendo tudo
errado, prejudicando o meio ambiente e ganhando menos dinheiro. Hoje, estamos
fazendo o inverso, preservando a natureza e ganhando mais dinheiro com isso”,
afirma o produtor.